Se todas as empresas acreditam que uma boa experiência ao cliente é um diferencial, porque há departamentos que no fundo não se importam com isso? A resposta pode estar no que pode ser chamado de “incentivos perversos”!
Um artigo de Francisco Zapata, CEO da Kentricos.
O que são incentivos perversos?
Incentivos são mecanismos de fomentar certos resultados em alguma área de uma empresa.
Pode ser um bônus por performance, uma meta constantemente perseguida pelos colaboradores, um OKR, ou demais formas de deixar claro o que “move” aquela turma.
Isto não é novo, sempre existiu e tem sim seus méritos, sendo algo muito válido até – se bem aplicado.
Estes incentivos são então uma forma simples e fácil de direcionar uma área. E, no fim do dia, qualquer área acaba fazendo aquilo pelo qual é cobrada, independente de qualquer discurso em voga pela empresa.
Por exemplo: de nada adianta a empresa ter um discurso na linha “nós vendemos o serviço mais adequado a sua necessidade”, se os vendedores são bonificados unicamente pela receita de suas vendas, mesmo que vendam o pacote de serviços mais caro para quem não precisava dele.
O atrito começa a aparecer aí, quando tais incentivos fazem com que uma área, um colaborador ou até a empresa toda acabe agindo de tal maneira que piore a experiência do cliente final.
Aquele cliente que acabou comprando um pacote maior que sua necessidade eventualmente vai perceber isso, e gerará frustração, até um eventual cancelamento.
Entretanto, nesse exemplo, o vendedor já terá embolsado seu bônus, feliz, e seguirá vendendo da mesma forma o serviço mais caro, ao invés do serviço mais adequado.
Estranho, concorda? Como uma empresa em sã consciência cria mecanismos que no fundo pioram a experiência de seu próprio cliente? E incentiva isso?
O exemplo acima ilustra bem. E não é que os colaboradores sejam “maus” ou algo assim, eles simplesmente estão trabalhando pelo que são cobrados, e incentivados.
A origem deste tipo de incentivo pode estar nos silos das empresas. Departamentos que acabam se isolando em seu próprio mundo acabam tendo um foco definido por sua função principal – a área de vendas deve “vender”, sempre mais, e os incentivos refletem isso. Eles consideram unicamente o ato de “vender mais” (e não “melhor”).
Da mesma forma, os departamentos operacionais devem baixar custos, já que não geram receita, confere? E os incentivos são criados em torno disso – baixar custos.
Só que lá na ponta tudo se junta, na experiência do cliente.
Ele – o cliente – experimenta a tal venda (do serviço mais caro, não do mais adequado), e no pós-vendas começa a contactar cada vez mais o setor operacional (porque o serviço inadequado gera dúvidas, gera pedidos de adequação, gera reclamações etc), mas o setor operacional (pode ser o SAC, o pós-vendas, ou qualquer setor que receba e trate tais contatos) tem que baixar custos, então tem poucas pessoas para atender às demandas, pessoas pouco treinadas (porque isso é caro), processos e sistemas quebrados (porque sistemas adequados seriam mais caros), e pouca prioridade para adequar os tais serviços… e a percepção do cliente começa seu declínio então.
Por isso o nome “incentivos perversos”, pois lá no fim da linha acabam trabalhando contra o próprio cliente da empresa.
Como saber se eu tenho incentivos perversos na minha empresa?
Há algumas formas de descobrir isso. Você mesmo pode criar uma maneira, uma vez que esteja claro o mecanismo de “perversidade” descrito acima. Mas a forma mais fácil de detectar isso é simplesmente sentir se as áreas de sua empresa que sustentam a experiência do cliente diretamente estão tão felizes quanto os clientes.
Uma vez visitei uma empresa de Telecom e, junto com alguns executivos, andamos por alguns departamentos ligados aos clientes “tops” da empresa (alguns bancos, operadoras de planos de saúde, etc).
Passamos pela área de atendimento ao cliente. Haviam dashboards lotados de vermelho, de exclamações, de correria e agitação. Até aí, ok né… Os SAC geralmente são assim mesmo (infelizmente).
Ao sair, ouvi um sininho tocando longe, e fomos na sua direção. Era o departamento de pré-vendas comemorando mais uma grande venda. Algo comum também para várias empresas, e claro que devemos comemorar as conquistas!
Mas note a diferença de “clima” dentro desses departamentos. Muito provavelmente esta empresa de Telecom sofria com os incentivos perversos também. Esta forma é mais instintiva, mais casual, mas já ajuda.
Outra forma de descobrir, mais metódica, seria usar mapeamento de jornada.
Mapeia-se a jornada do cliente desde o pré-vendas até seu eventual cancelamento. Nas camadas do mapeamento adiciona-se a percepção de clima interno das áreas que sustentam cada etapa da jornada, e se houver, também adiciona-se a lista de métricas pelas quais cada área opera, seus incentivos, e se elas têm atingido ou não tais objetivos.
Ao final compara-se a camada de sentimento do cliente com esta camada de percepção de clima. Se elas forem muito opostas, é um forte sinal de haverem incentivos perversos escondidos ali.
E como corrigir os incentivos perversos?
À primeira vista pode-se pensar que uma vez identificado um incentivo perverso, basta eliminá-lo sumariamente. Não recomendo isso.
No exemplo da área de vendas ser incentivada unicamente pela receita gerada, ao eliminar tal incentivo, geramos um choque grande demais e súbito demais para ser saudável para a empresa.
O que recomendo é entender como “tunar” o incentivo.
Esse incentivo está lá por uma razão: conseguir o resultado pelo qual a área é cobrada. Resultado este que é função da estratégia da corporação.
O que falta é apenas equilibrar o incentivo com a percepção do cliente. Usando novamente o exemplo inicial, podemos ajustar o incentivo para “O time de vendas deve vender e gerar tanta receita o quanto puder sim, contanto que o churn fique abaixo de tal patamar”.
Operacionalmente, isso significa que o cálculo do bônus dos vendedores deve considerar de alguma maneira o churn de suas vendas.
Se o vendedor vender os pacotes mais caros para qualquer um, este grupo de clientes muito provavelmente terá um churn superior a outro grupo de clientes que tenha comprado os planos mais adequados, mesmo que não sejam os mais caros.
O cálculo matemático do incentivo em si pode ser feito de diversas formas, mas todas devem considerar esta moderação vinda do cliente (podendo ser churn, LTV, satisfação, NPS etc). Afinal, queremos ser uma empresa centrada no cliente correto?
Extra: Dica complementar para fechar
Você deve já ter notado que o assunto dos incentivos perversos é polêmico. Isso é natural, pois os incentivos perversos são fruto dos silos nas empresas, que são um artefato de poder.
Ao mexer em incentivos e equilibrá-los com a percepção do cliente, estaremos diminuindo o poder dos silos, o que pode gerar atritos políticos internos na empresa.
Finalmente, note que os exemplos descritos aqui são simples de entender porque são ligados mais às camadas operacionais.
Entretanto, há incentivos perversos em todos os níveis, inclusive na alta liderança das empresas, no C-Level. E é aí onde tais incentivos perversos são mais danosos e mais difíceis de equilibrar.
Mas como qualquer problema a ser resolvido, o primeiro passo é simplesmente perceber que ele existe.
E na sua empresa, há incentivos perversos? Pense bem e comece a observar.
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Sensacional, muito bom artigo e como tudo que sempre troco de ideias com o Zapata tem um fundo acadêmico rico. Parabéns a todos os envolvidos. Uma reflexão rica!!
Obrigada Ana, ficamos felizes pelo Feedback 💙